O nascimento
do Direito Administrativo
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho.
Doutor em direito administrativo pela UFMG,
advogado, consultor jurídico, palestrante e professor associado IV da UFR. Autor
de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público
e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, 2009.
Vários são os autores que apontam o nascimento do
direito administrativo com a lei do 28 pluviose do ano
VIII (1800). MEDAUAR em texto citado não literalmente de DEBBASCH:
“…esta lei de 1800 contém, em síntese, preceitos
sobre organização administrativa e sobre litígios contra a Administração (…) no
tocante à organização, dois princípios a nortearam: hierarquização e
centralização; conforme o primeiro, fixou-se de modo claro, pela primeira vez,
a separação entre o representante que exerce funções no âmbito político e o
funcionário, que atua no setor administrativo, totalmente subordinado àquele; o
poder de nomeação e exoneração cabe à autoridade superior, sobretudo ao
Primeiro Cônsul (Napoleão), por força da Constituição do ano VIII; conforme o
segundo princípio, a organização territorial se uniformizou e simplificou,
prevendo-se, ainda em nível local, agentes representantes de poder central, os
prefet, também subordinados integralmente a este. Quanto aos litígios, referida
lei atribuiu ao Conselho de Estado funções de órgão consultivo, juiz de
contestações em matéria administrativa e instância de apelação das decisões
tomadas pelos conselhos de prefeitura no âmbito de sua competência para dirimir
litígios; evidente que o Conselho de Estado preparava as decisões finais
tomadas pelo Primeiro Cônsul, pois nesse período vigorava o sistema de justiça
retida”.[1]
O texto de DEBBASCH a que
se refere a autora é o seguinte:
"Si la France recherche, depuis 1789, avec
beaucoup d’hésitation, sa constitution politique elle a trouvé, en l’na VIII,
sa constitution administrative[2]. Celle-ci
va régir la France pendant un siècle et demi. Ce nést qu’à l ‘époque actuelle
que l’on recherchera une nouvelle constitution administrative pour la France,
en conservant, d’ailleurs, beacoup des principes posés en l’na VIII. Cette
constitution administrative s’organise autour du thème de l’organisation
administrative et du thème du contrôle de l’action administrative.
1 / L’ORGANISATION ADMINISTRATIVE
La réorganisation administrative est la consequénce
de l’organisation politique. Le Premier Consul, aprés avoir affermi le pouvoir
politique, cherche à mettre à la disposition de ce dernier une administration
ordonée.
Deux principes commandent cette réorganisation
administrative, la hiérarchisation et la centralisation.
A / La hiérarchisation
Elle résulte d’abord de la distinction, pour la
première fois clairement faite, entre la notion de représentant et la notion de
fonctionnaire. Le représentant exerce ses fonctions dans
l’ordre politique, le fonctionnaire dans l’ordre administratif. Le
fonctionnaire est étroitement subordonné à l’autorité supérieure. Celle-ci
dispose du double pouvoir de nomination et de révocation des agents
administratifs.
La Constitution de l’na VIII consacre ce pouvoir de
manière étendue au profit du Premier Consul lui-même. Aux termes de l’article
41 de cette Constitution, "le Premier Consul nomme et révoque à volonté
les membres du Conseil d’Etat, les ministres, les ambassadeurs et autres agents
extérieurs en chef, les officers de l’armée de terre et de mer, les membres des
administrations locales et les commissaires du gouvernment prés les
tribunaux". Ainsi, tous les membres de l’administration dépendent
désormais, soit directement, soit indirectement, du Premier Consul. Cette
hiérarchisation très stricte va contribuer à la constitution de
l’administration comme corps possédant ses règles propres et soumis strictement,
dans l’intérét général, au pouvoir exécutif. "Il faut choisir l’homme qui
convient à la place et non la place qui convient à l’homme", affirme
Napoléon.
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A côté de cette subordination des agents publics à
l’autorité centrale, se développe le pouvoir réglementaire. Cellui-ci,
jusquálors nié en droit, est consacré officiellement par la Constitution de
l’an VIII. Deux articles sont particulièrement importants: il s’agit, d’abord,
de l’article 44 selon lequel "le gouvernment propose les lois et fait les
règlements nécessaires pour assurer leur exécution". Il s ágit, ensuite,
de l’article 54 selon lequel "les ministres procurent l’execution des lois
et des reglements d’aministration publique".
Parce que l’équilibre des pouvoirs penche en faveur
du pouvoir executif, ces dispositions ne demeurent pas lettre morte. Au
contraire, le pouvoir réglementaire va se développer aux dépens des lois, Qui
renvoient le plus souvent au règlement. En pratique, de plus, un poivoir
règlementaire est reconnu à de nombreuses autorités administratives. Le pouvoir
réglementaire devient un moyen essentiel de l’action administrative.
B / La centralisation
La centralisation va de pair avec la
hiérarchisation. Elle est une réaction contre l’anarchie entrainée par la
descentralisation révolutionnaire. Elle se traduit par deux traits: un
remodelage de la carte administrative de la France, un changement dans le mode
d’organisation de l’administration.
La carte administrative de la France est modifée
dans le sens d’une plus grande simplification. De ce
point de vue, le Consulat et l’Empire ne font qu’achever l’oeuvre
révolutionnaire, mais c’est sous l’Empire qu’il devient le cadre territorial
privilégié de l’action de l’Etat. A côté du département, il n’existe plus,
desormais, que les arrondissements et les communes, à la place des nombreuses
collectivités et circonscriptions créés par les régimes révolutionnaires
successifs.
C’est surtout le mode
d’administration Qui est changé. La loi du 28 pluviôse de l’na VIII
devient la charte de l’administration française. L’aspect le plus nouveaus, et
promis à la pérennité, est l’institution à l’échelon local d’agents destinés à
représenter le pouvoir central. Le prefet est la figure la
plus connue de ces autorités. Napoléon fait des préfets, selon son expression,
des empereurs au petit pied[3], étroitement
soumis au pouvoir central. "L’organisation des préfectures, leur action,
les résultats étaient admirables et prodigieux" (Pensées politiques et
sociales, cf. Institutions et droit administratifs, texts et
documents, P.U.F., 1980, p. 62). Face au poivoir central omniprésent, les
collectivités locales ne peuvent avoir qu’une, elles ne sont plus qu’un des
organes dúne administration hiérarchisée et centralisée suivant le principe de
la pyramide."[4]
Os primeiros impulsos do direito administrativo
foram somente dados com a lei de 1800, mas também com a edição de manuais e
obras como a de ROMAGNOSI, na Itália, em 1814 e MACAREL, na França, em 1818.
Também aconteceu em Paris, no ano de 1819, a criação da cátedra de direito
público e administrativo. Tudo isto somado permitiu o próprio impulso da
disciplina em apreço.[5]
WEIL, na introdução ao seu livro aborda pontos
importantes em relação ao direito administrativo e seu surgimento. Destaca o
autor o que considera “pré-história do direto administrativo” como sendo o
período entre a Revolução de 1789 e o fim do Segundo Império. Para ele, o
direito administrativo emergiu lentamente do nada e que se esboçou nos impulsos
mais tarde conhecidos como do regime administrativo, ou seja,
“…a existência de uma jurisdição administrativa
especializada e a submissão da administração a umas regras diferentes daquelas
do direito privado”.[6]
O Professor francês inicia a tratar a questão da
submissão da administração aos tribunais revelando a guerra “dissimulada” e
muitas vezes eficaz que era travada por parte das jurisdições do Ancien
Régime (Antigo Regime), contra as tentativas da monarquia de
modernizar a administração e de reformar a sociedade. Assim, explica o mesmo
que uma das primeiras medidas da Constituinte foi de quebrar, pela lei de 16-24
agosto 1790:
“…todas as veleidades, e mesmo todas as
possibilidades, pelos tribunais de desafiar a autoridade do Estado” [7]
Senão, vejamos:
“As funções judiciárias são distintas e residem
sempre separadas das funções administrativas. Os juízes não atrapalharão, sob
pena de cometer crime, perturbarão, de qualquer maneira que seja, as operações
dos corpos administrativos, nem citarão os administradores por razão de suas
funções.” [8]
Após cinco anos, o decreto de 16 frutidor do ano
III previa:
“Defesas repetidas são
feitas aos tribunais de conhecimento dos atos da
administração, de qualquer espécie que eles sejam, sob as penas do de direito.”[9]
Procedia-se, então ao princípio da separação das
autoridades judiciária e legislativa, impedindo-se os tribunais de incomodar a
administração e sua proibição do conhecimento dos litígios que
interessavam à administração.
A lei de 28 pluviose do ano VIII criou os “conseils
de préfecture” – conselhos de prefeitura, ou conselhos de governo
civil – encarregados, sob a presidência dos prefeitos, de estatuírem sobre
certos litígios estritamente definidos.
Entretanto, aponta WEIL que foi a criação, pela
Constituição do ano VIII, do Conselho de Estado que permitiu as transformações
mais profundas.[10]
Mostra ainda que o Conselho de Estado foi conhecido
primeiramente como o conselho jurídico do governo e se viu a cargo
primeiramente do Primeiro Cônsul e posteriormente pelos sucessivos Chefes de
Estado, de preparar um projeto para a solução dos litígios os quais fizesse
parte a administração.[11]
Ponto de fundamental importância no surgimento do
direito administrativo é apontado como sendo a questão de que o Conselho de
Estado, órgão destinado a preparar decisões que envolvessem matéria
administrativa não se limitasse a aplicar as regras do Código Civil. Desta
forma, admite WEIL que logo reconheceu-se que as disposições do Código Civil
relativas a aluguel ou arrendamento de serviços, contratos ou responsabilidade
civil não eram aplicáveis aos litígios entre a administração e os particulares.[12]
Outro questionamento que se apresenta a respeito do
surgimento do direito administrativo é o de se ele representa propriamente o
fim do Estado absolutista e o início de um novo Estado ou, simplesmente, a
continuidade herdada do Antigo Regime.
MEDAUAR, esclarece que encontram-se justificativas
para o entendimento que a presença de figuras ou preceitos vigentes no
Antigo Regime trazem significação de continuidade do regime anterior[13].
Entende a autora que seria difícil acreditar-se em uma ruptura total, de
uma origem a partir do nada. [14]
Apoiando-se no que dizia CANADA-BARTOLI[15],
a mesma autora aponta que o próprio enunciado da origem do direito
administrativo é feito em termos estritamente normativos, que se for tomada
posição a qual não seja propriamente normativa, esta não terá sentido, e que,
finalmente, a lei de 1800 dizia respeito somente à Administração e o direito
administrativo também trata, diferentemente, dos indivíduos. Conclui
ainda que:
“Melhor se configura orientação que leva em
conta os dois aspectos, sem extremos, para vincular o direito administrativo à
Revolução Francesa em termos de princípios, não em virtude da origem de um tipo
de organização; e para levar em conta noções e mesmo práticas do Antigo Regime
acolhidas em parte pelo direito em formação, embora em outro contexto
sócio-político.”[16]
WEIL divide a introdução de sua obra ao tratar do
nascimento do direito administrativo em fases distintas. Posteriormente ao que
chama de pré-história deste direito, descreve ele o que entende por período
clássico.[17]
Começa por descrever este período como sendo
o seu início a partir da lei de 24 de maio de 1872. Esta lei deu ao Conselho de
Estado a justiça delegada:
“…doravante a administração é submissa ao controle
de uma verdadeira jurisdição, que estatui diretamente “em nome do povo
francês”.[18]
Comenta o autor:
“Tal lei, criou ao mesmo tempo um Tribunal de
Conflitos, composto em número igual de membros do Conselho de Estado e de
conselheiros na Corte de Cassações, encarregado de estatuir sobre os conflitos
de competência entre as duas ordens jurisdicionais, a administrativa e a
judiciária”.[19]
Em seguida com a instalação da República, e o
liberalismo tanto político como econômico iniciou e seus textos foram
inspiradores para a administração francesa de fundamentos modernizadores como
as novas bases de organização dos departamentos e das comunas, as liberdades de
imprensa e associação e estabelecimento de novas bases da relação entre
executivo e legislativo. Neste quadro, o direito administrativo, antes
elaborado para o Conselho de Estado, conhecerá a sua “belle époque”.[20] As
abundantes decisões do Conselho estabeleceram os princípios fundamentais da
nova disciplina, do célebre caso Blanco – no qual foi estabelecido pelo
Tribunal de Conflitos o princípio da responsabilidade do Estado,
responsabilidade a qual somente a jurisdição administrativa era competente para
aplicar – ao controle do juiz administrativo a ser exercido mesmo que a decisão
atacada seja inspirada por razões políticas; a flexibilização das condições de
admissibilidade de recursos por excesso de poder, crescimento dos meios de
anulação dos últimos; a responsabilidade do Estado é reconhecida e afirmada
como diferente da mesma de seus funcionários, a teoria dosa contratos
administrativos ganha contornos próprios, como a das decisões executivas para
os mesmos.[21] Foi
nesta época que comissários do governo como DAVID, ROMIEU, PICHAT ou LEO
BLUM, dentre outros, proferiram magistrais conclusões. “É a época
também onde a doutrina construiu seus grandes edifícios clássicos:
LAFERRIÈRE em primeiro lugar, ao fim do século, depois HAURIOU, DUGUIT, JÈZE.”[22]
WEIL aponta que mesmo com o grande
desenvolvimento do direito administrativo após 1920 não se pode renegar os
princípios fundamentais postos em curso nos quarenta e cinco anos após o fim da
guerra de 1870 até o ano de 1914.
Notas
[1] Medauar,
Odete. “O Direito Administrativo em Evolução” São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1992. ps.10 – 11.
[2] Grifo
do autor.
[3] Grifos
do autor.
[4] DEBBASCH, Charles.
"Instituions et droit administratifs. Tome 1 – Les structures
administratives". pp. 89 – 91. Paris: Presses Universitaires de
France, 1991.
[5] Ob.Cit.,
p. 11.
[6] WEIL,
Prosper. “Que sais-je Le Droit Administratif”. Sixième édition mise à jour –
66e. mille. Paris: Presses Universitaires de France, 1975. p.7 – “ l’existence
d’une juridiction administrative spécialisée et la soumission de
l’administration à des règles différentes de celles du droit privé.”
[7] Ob.
loc. cit. ant., p.7.
[8] Idem,
ibidem. p.7 “Les fonctions judiciaires sont distinctes et demeureront toujours
séparées des fonctions administratives. Les juges ne pourront, à peine de
forfaiture, troubler, de quelque maniére que ce soit, les opérations des corps
administratifs, ni citer devant eux les administrateurs pour raison de leurs
fonctions.”
[9] Idem,
p.8 “Défenses itératives sont faites aux tribunaux de connaitre des actes
d’administration, de quelque espèce qu’ils aoient, aux peines de droit.”
[10] Ob.
loc. cit. ant.
[11] Ob.
loc. cit. ant.
[12] Weil.
Ob. cit. ant. p. 10.
[13] Ob.Cit.,
ps. 12 e 15.
[14] Ob.Cit.,
p. 18.
[15]
Canada-Bartoli. “Vanum disputare potestate: riflessioni sul diritto
amministrativo”, in Scriti in onore di Massimo Severo Giannini, Vol. 3,
1988, p. 190.
[16] Ob.cit.
ant. p. 18.
[17] Weil.
Ob. cit. ant. pp. 10 – 19.
[18] “désormais
l’administration est soumise au contrôle d’une véritable juridiction, Qui
statue directement “au nom du peuple français”. pp.10-11.
[19] “Cette
loi crée en même temps un Tribunal des Conflits, composé en nombre égal
de membres du Conseil d’Etat et de conseillers à la Cour de Cassation et chargé
de statuer sur les conflits de compétence entre les deux ordres
juridictionnels, l’administratif etle judiciaire”. P. 11.
[20] “Dans
se cadre, le droit administratif, élaboré par le Conseil d’Etait, connaîtra lui
aussi sa “belle époque”. P. 11.
[21] Weil.
Ob. cit. ant. pp. 11-12.
[22] “C’est
l’époque aussi où la doctrine construit ses grands édifices classiques:
Laferrière d’abord, à la fin du siècle, puis Hauriou, Duguit, Jèze. p. 12.
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